quarta-feira, 29 de julho de 2009

Dos dias...



Depois, quando todos foram embora e as crianças já estavam deitadas, ela era uma mulher bruta que olhava pela janela. A cidade estava adormecida e quente. O que o cego desencadeara caberia nos seus dias? Quantos anos levaria até envelhecer de novo? Qualquer movimento seu e pisaria numa das crianças. Mas com uma maldade de amante, parecia aceitar que da flor saísse o mosquito, que as vitórias-régias boiassem no escuro do lago. O cego pendia entre os frutos do Jardim Botânico.

Se fora um estouro do fogão, o fogo já teria pegado em toda a casa! pensou correndo para a cozinha e deparando com o seu marido diante do café derramado.

— O que foi?! gritou vibrando toda.

Ele se assustou com o medo da mulher. E de repente riu entendendo:

— Não foi nada, disse, sou um desajeitado. Ele parecia cansado, com olheiras.

Mas diante do estranho rosto de Ana, espiou-a com maior atenção. Depois atraiu-a a si, em rápido afago.

— Não quero que lhe aconteça nada, nunca! disse ela.

— Deixe que pelo menos me aconteça o fogão dar um estouro, respondeu ele sorrindo.

Ela continuou sem força nos seus braços. Hoje de tarde alguma coisa tranqüila se rebentara, e na casa toda havia um tom humorístico, triste. É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver.

Acabara-se a vertigem de bondade.

E, se atravessara o amor e o seu inferno, penteava-se agora diante do espelho, por um instante sem nenhum mundo no coração. Antes de se deitar, como se apagasse uma vela, soprou a pequena flama do dia.


Ah, insensatez...


"...que você fez

Coração mais sem cuidado

Fez chorar de dor o seu amor

Um amor tão delicado !"





De: Vinicius, de Tom, de Chico, de Nara,de F.Takai... de mim e de você.




sobre isso e aquilo...

"chega uma época em que nos damos conta de que tudo o que fazemos se tornará lembrança algum dia.
É a maturidade.
Para alcançá-la
, é preciso justamente, ter lembranças"

Cesare Pavese



terça-feira, 28 de julho de 2009

De esperas...


Terça feira, 28 de julho de 2009

Pequeno Conto Diluído
Assistia à lenta difusão das folhas de chá na xícara.
Queria que o telefone tocasse, mas ele não tocava nunca. A televisão ligada disfarçava o silêncio.
No quarto, uma criança começava a esquecer o rosto de seu pai.
A água do chá se coloria em contato com as folhas.
Queria esquecer tudo. Lavar com aquela água quente as dores recentes. Mas a água estava quente demais, as dores eram recentes demais, e seus dedos queimavam.
Já se esquecia do jeito que o marido tinha de partir o bolo com as mãos, dos farelos que caíam e das discussões inúteis pelos farelos espalhados. Mas não queria se esquecer do chá repartido nas tardes de sábado – acompanhamento silencioso das brigas pelo controle remoto.
Por que aquele futebol de domingo à tarde na televisão sempre a irritara tanto? Agora, era com saudade que se lembrava dos gritos de gol que ecoavam pela casa.
No fundo da xícara, restava um punhado de folhas inúteis. Folhas que formavam o desenho de não-vês-que-sinto-a-tua-falta? Sentimento que insiste em não se diluir.
Mas o fantasma que se difunde nas frestas da porta e da memória está cada vez mais distante. Sabe que ele não voltará.
Para disfarçar o silêncio, coloca mais açúcar no chá.
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Um grito de gol se espalha na televisão. Mas o telefone, como o coração, continua mudo.


quinta-feira, 23 de julho de 2009

Sobre medos...




“Meu maior medo não é morrer sozinho, ainda que morrer sozinho, sem visitas em um hospital ou sem pássaros num asilo, é tão triste quanto uma pilha de discos de vinil para vender. Meu maior medo é viver sozinho e não me acompanhar. Meu maior medo é perder a curiosidade da solidão. Ficar com alguém para disfarçar a espera, esquecendo do egoísmo de prender esse alguém de uma nova chance. Meu maior medo é ser reconhecido por aquilo que poderia ser. Meu maior medo é dizer sim para desistir depois, dizer não para querer depois. Meu maior medo é não ser avisado pelo medo. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que antes. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo.

Meu maior medo é escrever para não pensar.”

terça-feira, 21 de julho de 2009

Deste imenso e desmedido amor


Luz das estrelas

laço do infinito

gosto tanto dela assim...

rosa amarela voz de todo grito

gosto tanto dela assim...

esse imenso, desmedido amor vai além de seja o que for

vai além de onde eu vou do que sou, minha dor , minha linha do equador

esse imenso, desmedido amor vai além de seja o que for

passa mais além do céu de Brasília, traço do arquiteto

gosto tanto dela assim

gosto de "filha "música de preto

gosto tanto dela assim...

essa desmesura de paixão é loucura do coração

minha Foz do Iguaçu, polo Sul, meu azul , luz do sentimento nu

esse imenso, desmedido amor vai além de seja o que for

vai além de onde eu vou

do que sou, minha dor, minha linha do Equador

mas é doce morrer nesse mar de lembrar e nunca esquecer

se eu tivesse mais alma pra dar eu daria, isso para mim é viver!

domingo, 19 de julho de 2009

  • Kafka, Franz
    Apenas se deveriam ler os livros que nos picam e que nos mordem. Se o livro que lemos não nos desperta como um murro no crânio, para quê lê-lo?



sábado, 18 de julho de 2009

De estados , coisas e momentos





“A eternidade é o estado das coisas neste momento”.

- “Tão jovem e já com ferrugem”.

- “Ela não pensava em Deus, Deus não pensava nela. Deus é de quem conseguir pegar”.

- “Não saber fazia parte importante de sua vida”.

- “É que ela sentia falta de encontrar-se consigo mesma e sofrer um pouco é um encontro”.

- “Domingo ela acordava mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada”.

- “E quando acordava? Quando acordava não sabia mais quem era. Só depois é que pensava com satisfação: sou datilógrafa e virgem, e gosto de coca-cola. Só então vestia-se de si mesma, passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser”.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Dos primeiros erros





Meu caminho é cada manhã
Não procure saber onde estou
Meu destino não é de ninguém
E eu não deixo os meus passos no chão
Se você não entende não vê
Se não me vê não entende

Não procure saber onde estou
Se o meu jeito te surpreende
Se o meu corpo virasse sol
Se a minha mente virasse sol
Mas só chove, chove
Chove, chove

Se um dia eu pudesse ver
Meu passado inteiro
E fizesse parar de chover
Nos primeiros erros
Meu corpo viraria sol
Minha mente viraria sol
Mas só chove, chove
Chove, chove

Meu corpo viraria sol
Minha mente viraria
Mas só chove, chove
Chove, chove
Meu corpo viraria sol
Minha mente viraria sol
Mas só chove, chove
Chove, chove

segunda-feira, 13 de julho de 2009

De algumas dores


É como se doessem os pés.
Um incomodo que desconserta o passo lentamente.
Você insiste porque precisa continuar.
Existem ainda quantos passos até o final da estrada?
Será que tão importante mesmo chegar, ou abandonar-se e sentar ali,
a beira do NADA?
Pode o abandono ser a melhor estrada ?
A minhas decisões não me pertencem mais, penso num estado de alerta absurdamente improvável.
Mas os pés que precisam seguir ainda doem...
Na tentativa de segue não segue,
de as decisões serem minhas,
de se deixar ficar no meio do NADA,
descubro que abandonar o que me machuca [...] talvez alivie um pouco a dor. Qual delas?
Só não aquela que eu faço cotidianamente sem sequer estar usando algum sapato...

quinta-feira, 9 de julho de 2009




















Escreverei aqui em direção ao ar e sem resposta a nada pois sou livre.
Eu - que existo. Existe uma volúpia em ser gente.
Não sou mais silêncio. Sinto-me tão impotente ao viver -
vida que resume todos os contrários díspares e desafinados
numa única e feroz atitude: a raiva.

Cheguei infinitamente ao nada. E na minha satisfação de ter
alcançado em mim o mínimo de existência, apenas a necessária respiração - então estou livre.
Só me resta inventar. Mas aviso-me logo: eu sou incômodo.
Incômodo para mim mesmo.
Sinto-me desconfortável nesse corpo que é bagagem minha.


Clarice Lispector

Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido uma coisa
que não se sabe onde e quando

sábado, 4 de julho de 2009

“Às vezes é preciso recolher-se. O coração não quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma vez resolve sentar-se à beira dessas águas. Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um começo de sabedoria, e dói. Dói controlar o pensamento, dói abafar o sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido. Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem hoje se ausenta era tão imensamente mais rico. Não queremos escutar essa lição da vida, amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só o que nos resta. Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade, e ficamos quase sem sonhar. Quem nos vê nos julga alheados, quem já não nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambigüidade e mutação, este silencio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os seus acenos”.

* Lya Luft *