
O medo de mostrar suas dores era tão grande que ela, desde cedo, tratou de escondê-las com uma aparente calmaria. Todo dia, antes de sair para o mundo, ela se vestia com uma tranqüilidade que, a princípio, não a pertencia de todo. Foi moldada para exatamente não revelar as chagas que a corroiam por dentro. Não queria ser vista com olhos de piedade,de comiseração, de condescendência . Queria mesmo era ser feliz, mesmo a custo de um esforço incalculável em tentar minimizar o trânsito de sentimentos e frustrações que por dentro dela circulava. Mas coisa ou outra não dava para escapar do seu controle. Eram as nuances que poucos se atinham a perceber: um olhar esquivo, a voz encolhida, o desenho da ruga. E assim, paramentada de sensações construídas, ela seguiu a vida inventando sua personalidade. Até se dar conta de que, para aliviar as feridas com o bálsamo necessário, a menina tinha que se despir. Mesmo que o espelho não hesitasse em refletir sua dor maior: a de ver realmente quem se é.
Fazia tempo que ela não se atentava para isso. Estava entorpecida pela própria invenção de ser o que ela na verdade nunca fora.