

Tinha ela uma dor no peito constante, perene. Era acometida todas as noites, na hora em que mais precisava descansar. Os comandos do cérebro sobre o corpo, sobretudo o das suas pernas, eram dissonantes aos do coração, carente como criança assustada. Queixava-se a moça o tempo todo de uma ausência por ela própria sentida, uma mistura de oco, buraco no peito, saudade-de-não-sei-o-quê. Ou seria uma presença por ela imaginada? Que na verdade nunca existira? A dúvida rolava cama adentro, coração aos sobressaltos agravados por aquele ponteiro do relógio que nunca fora seu cúmplice. De concreto mesmo, só a imagem da falta. Porque ela mesma, (a falta) , nunca fora vista de fato, de corpo presente em seu quarto, tangível aos olhos, às mãos, silhueta exposta, à sua boca com sede de outra. Como será que então ela consegue soluçar por aquilo que nunca teve? Era tão absoluta a certeza que havia nascido para aquele sentimento! São as coisas do coração, disse certo dia uma amiga e confidente. Mentira. São coisas da cabeça dessa moça, ainda afoita por não conseguir diagnosticar sua doença diária: o amor.
Sim, aquele de espécie urgentíssima, patológica, viral, cego de nascença, aquele que não pondera, não se mede, que jamais pensa. Simplesmente se autocondecora e intitula-se digno e nobre só pelo fato de no mundo existir.
Mentira. Nobre é reconhecer seu papel - e ele, esse amor, é tão soberbo ao ponto de não se deixar diminuir diante do seu real tamanho. Invade a fronteira do real e do improvável vestindo o véu pontilhado do imaginário. E surge assim como um príncipe; rosas vermelhas em punho. Dá para acreditar nele? Ela diz que sim. Efeito da doença tão mesquinha que deu no coração dessa moça, que deixou os batimentos que moravam no seu peito iguais aos do cursar do dia. No máximo, sentia uma pontada, tal qual um punhal cravado que insistia em lembrá-la a tal falta daquilo que nunca tivera na vida. A dor mesmo se revezava entre a direita e a esquerda da cama. Era a procura, no fundo, daquilo que ela ainda não teve, mas que a noite e o perfume emanado das flores dormindo permitiam-lhe sonhar um dia lhe pertencer.
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