segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

SOBRE A DEPENDÊNCIA DIGITAL

publicado por Larissa Caramel em 09 de janeiro de 2012 às 22:22
Sobre mim, sobre você.
Sobre nós e esta tela de vidro,
e sobre os circuitos que nos conectam.
Pois ninguém tem versão 2.0 nessa vida.
Um belo dia, a realidade bate à porta.
E o mundo real não aceita Ctrl+Z.


moth.jpg
A tecnologia é um dos motores da impessoalidade imperante.
Nossas relações são dependentes de recursos abstratos.
Construímos ideais em universos artificiais,
em busca de atenção fria, estática, superficial.
Alimentamos o isolamento coletivo.
Trocamos sonhos por televisão.
Sorrisos e vozes por caracteres especiais e cliques.
Borboletas no estômago por janelas em messengers.
Olhares por ondas eletromagnéticas.
Há um retrocesso expressivo em andamento.
Vivemos hipnotizados por vidros brilhantes,
tal qual mariposas desviadas do curso.
Horas sem falar, ouvir, sorrir, lamentar.
Sem notar o caminhar do dia e o anoitecer.
Sem ver raios, trovões e tempestades,
ou aproveitar o sol confortável de tardes preguiçosas.
Desligando as luzes, estamos míopes e sozinhos.
Não que a tecnologia seja a vilã de nossa era.
O cuidado é para não sermos reféns de nossas criações.
Quem sabe viver um dia inteiro com eletrônicos desligados.
Dar espaço para o tédio, para o pensamento, para a busca.
Acompanhar os minutos e ver como nos sobra tempo.
Precisamos levar um choque de realidade,
tal qual esquizofrênico ao confrontar a ilusão.
Ter coragem de mostrar quem somos em carne e osso,
sem pixels, códigos binários e correções intangíveis.




Aliás, bem vindo ao meu primeiro rabisco digital.
E eu também estou há horas em frente ao monitor.
E a dona esquizofrenia está tentando roubar minha cadeira.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

'Sinceras mentiras"



- O amor desapareceu, Mítia - continuou ela-, mas o passado é-medolorosamente querido. Fica-o sabendo para sempre. Agora, por um instante, o que teria podido ser- murmurou ela, com um sorriso crispado, fixando-o de novo com alegria. – Agora, amamos cada um para nosso lado, no entanto, amar-te-ei sempre, e tu também sabia-lo? Ouve, ama-me, ama-me toda a tua vida!- suspirou ela, com uma voz trêmula em que havia leve tom de ameaça.


- Sim, eu te amarei e...Sabes, Cátia - disse Mítia, parando a cada palavra - toda a minha vida! Será assim, para todo o sempre.


Assim trocaram eles essas frases quase absurdas e exaltadas, mentirosas, talvez, mas eram sinceros e tinham em si uma confiança absoluta.




Dostoievski

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

De retornos


Se, depois de eu morrer...
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas --- a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem setimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.


                                         Alberto Caeiro